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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Drummond explica: Receita de Ano Novo


                           
  
"O grande trunfo na vida, talvez seja,
olhar para trás, aprender com as
experiências, reescrever uma nova
página, para sentir orgulho da
história no final"!
"Sem unidade, não existe força”. Ditado Irlandês.
::===☆ ∝╬══::===☆

❤ Perdoa o que puder ser perdoado.
Esquece o que não tiver perdão.
E vamos voltar aquele lugar!.
(Humberto Gessinger).
::===☆ ::===☆

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo
Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor 
da
sua paz,
Ano Novo sem comparação 
como
todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas
do vir-a-ser,
novo até no coração 
das coisas
menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de 
tão perfeito
nem se nota,
mas com ele 
se come,
se passeia,
se ama, 
se compreende,
se trabalha,
você não precisa beber
champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir
nem 
receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista 
de
boas intenções
para arquivá-las
na gaveta.
Não precisa chorar 
de
arrependido
pelas besteiras
consumadas
nem parvamente
acreditar
que por decreto
 da
esperança
a partir de janeiro 
as coisas
mudem
e seja tudo 
claridade,
recompensa,
justiça entre 
os homens e as nações,
liberdade com cheiro
 e gosto 
de pão matinal,
direitos respeitados,
começando
pelo direito augusto
de viver.
Para ganhar um
ano-novo
que mereça
este nome,
você, meu caro, tem de
merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, 
eu sei que
não é fácil,
mas tente, 
experimente,
consciente.
É dentro de você 
que o
Ano Novo
cochila e espera
 desde
sempre
Carlos Drummond
de Andrade
Imagens: Reprodução Internet

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Receita de Ano Novo













Para você ganhar belíssimo 
Ano Novo cor do arco-íris, 
ou da cor da 
sua paz,
Ano Novo sem comparação 
com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido).
Para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, 
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas
do vir-a-ser;
novo até no coração das 
coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior) novo, 
espontâneo, que de tão perfeito
nem se nota,
mas com ele se come, 
se passeia,
se ama, se compreende, 
se trabalha,
você não precisa beber 
champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber 
 mensagens 
(planta recebe mensagens? 
passa telegramas?)
Não precisa fazer lista 
de boas intenções para 
arquivá-las 
na gaveta.
Não precisa chorar 
arrependido
pelas besteiras 
consumidas
nem parvamente 
acreditar
que por decreto de
esperança
a partir de janeiro as coisas
mudem
e seja tudo claridade, 
recompensa,
justiça entre
os homens e as nações,
liberdade com cheiro e 
gosto de pão 
matinal,
direitos respeitados, 
começando
pelo direito augusto
de viver.
Para ganhar um 
Ano Novo
que mereça este
 nome,
você, meu caro, tem de
merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, 
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, 
consciente.
É dentro de você que o
Ano Novo
cochila e espera 
desde sempre.
por Carlos Drummond 
de Andrade.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

CARTA DE AMOR - Drummond
















Encontrada no carro do metrô, e dizia assim:
—Estou pensando seriamente em declarar greve de mim a você, por tempo indeterminado. Não me pergunte os motivos. Você sabe. Ou é melhor que não fique sabendo, porque assim a greve é mais completa, e eu quero justamente ser um grevista mais total do que os outros grevistas que brigam por salário decente e condições decentes de trabalho.

Quero que você fique perturbada e confusa, sem saber o que eu estou fazendo ou deixando de fazer, e a todo instante a se perguntar: "Que greve é esta? Em que consiste? Quando vai acabar? Que coisa mais idiota."É isso mesmo: você achará idiota a minha greve, porque não a entenderá. Então, o menor gesto que eu fizer, a palavra mais sem significação, tudo se transformará para você em enigma, você me sentirá o cara mais misterioso do mundo, por que não dizer: o mais tenebroso.

Se pequenino e encantador cérebro de colibri dará voltas a si mesmo e não perceberá o sentido da minha abstenção oculta - de quê? E eu continuarei firme, inflexível, grevista, sem expor minhas reivindicações.
De jeito nenhum.

Então você se desmanchará em suspiros, se enrodilhará toda a meus pés, pedirá perdão de faltas não cometidas, e que eu não sabia que você fosse capaz de cometer. Confessará também as cometidas, mas eu não darei bola e continuarei a tratar você da maneira ambígua que estou anunciando. Você será um poço de petróleo repleto de amor, eu recusarei sondar esse poço inesgotável, ou finjo que estou sondando mas com vontade de não encontrar o menor indício de petróleo. Esta fase será curta, pois não quero abusar de sua amorosidade ofertada. Passemos à segunda fase.

Você se irritará comigo e, perdendo a paciência, me dirá duas ou três coisas ácidas. Jogará um copo na minha direção. Ou uma xícara, dessas do trivial do café. Eu desviarei o corpo do copo ou da xícara, e se você me jogasse em cima um samovar seria a mesma coisa: não desistiria da greve. Aí você adotava em princípio a idéia de enlouquecer. Só em princípio. Eu é que estou pinel - concluiria você. Conclusão provisória, a ser confirmada pelo psiquiatra, mas o psiquiatra, que é meu amigo, lhe responderia: Ele é assim mesmo, isso passa.

Não vai passar não, talvez minha greve seja eterna, e nunca mais seremos aqueles namorados que conquistaram o Oscar de melhor idílio no Festival de Angra dos Reis. Continuaremos, sim, dois namorados unidos por esse laço invisível da greve, como o empresário está cada vez mais preso ao assalariado, ou este àquele, quando entram em conflito de interesses, mas esta nossa categoria não dá prêmio.

A terceira fase... Haverá terceira fase? Você apelará para nossos amigos comuns, ou para o Ministério da Comunicação Social, que aliás não existe, existe só o Ministério, não a Comunicação? E que é que eles podem fazer para acabar com uma greve tão fechada, tão silenciosa, tão sutil, que nem a reforma da legislação trabalhista, por engenhosa que seja, lhe dará remédio?

Bem, se você faz mesmo questão fechada, se sua vida ficar dependendo da elucidação das causas primárias e outras, da minha greve, então eu deixo no carro do metrô um envelope lacrado com os seguintes dizeres (no verso):


Não adianta abrir, nessa emergência? Nem haverá quem abra o envelope? Quem sabe? Sempre resta um sobrevivente, ou vários. A Bíblia o demonstra. Eu não posso revelar o meu segredo nem diante de uma comissão de inquérito parlamentar. Minha greve é absoluta. Tenha paciência, garota, não faço por menos, nem admito intervenções no meu sindicato. Meu sindicato sou eu.

Tem uma coisa. Não deduza de tudo isto que estou declarando guerra. Guerra é guerra, greve é outra coisa, e a minha então é outríssima. Sem quebra, atenuação ou extinção de amor. Pois você não vê, boba, bobíssima, que isto ainda é amor, é mais amor do que amor, é minha forma de amar você, de um jeito só meu, que nem você mesma é capaz de aprender em sua mineral abismalidade? ‘Dio come te amo! Até.

Carlos Drummond de Andrade
Livro: Boca de Luar - 

sábado, 16 de julho de 2011

CASA ARRUMADA





Imagem de Clker-Free-Vector-Images por Pixabay 

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, 
com espaço livre pra circulação
e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser

casa e não um centro cirúrgico,
um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito 

tempo limpando, esterilizando, 
ajeitando os móveis, afofando 
as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa 

onde eu bato o olho e 
percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela

em que os livros saem das
prateleiras e os enfeites brincam
de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão 

gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
 fartas, que chamam todo mundo
 pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa 

sem festa.
E se o piso não tem arranhão,

é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, 

tem banheiro com vapor perfumado
no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas 

que a gente guarda barbante, passaporte
e vela de aniversário,
tudo junto...
Casa com vida é aquela em

que a gente entra e se
sente bem-vinda.
A que está sempre pronta

 pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, 

tem lençóis revirados 
por gente 
que brinca ou namora a qualquer
hora do dia.
Casa com vida é aquela que

 a gente arruma pra ficar 
com a cara 
da gente.
Arrume a sua casa todos

 os dias...
Mas arrume de um jeito 

que lhe sobre tempo 
pra viver nela...
E reconhecer nela 

o seu lugar.
Carlos Drummond de Andrade 

(1902-1987)