Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo,
com espaço livre pra circulação
e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser
casa e não um centro cirúrgico,
um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito
tempo limpando, esterilizando,
ajeitando os móveis, afofando
as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa
onde eu bato o olho e
percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela
em que os livros saem das
prateleiras e os enfeites brincam
de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão
gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas, que chamam todo mundo
pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa
sem festa.
E se o piso não tem arranhão,
é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim,
tem banheiro com vapor perfumado
no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas
que a gente guarda barbante, passaporte
e vela de aniversário,
tudo junto...
Casa com vida é aquela em
que a gente entra e se
sente bem-vinda.
A que está sempre pronta
pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível,
tem lençóis revirados
por gente
que brinca ou namora a qualquer
hora do dia.
Casa com vida é aquela que
a gente arruma pra ficar
com a cara
da gente.
Arrume a sua casa todos
os dias...
Mas arrume de um jeito
que lhe sobre tempo
pra viver nela...
E reconhecer nela
o seu lugar.
Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)