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domingo, 13 de maio de 2012

Caminho do Sonho

Trechos do livro "Caminhos Ciganos" de Nina Cardoso, intitulado "Caminho do Sonho", páginas 37 a 48, resumido, uma história de reflexão, quando a hipocrisa disfarçada de moralismo os encontra sem as vestimentas sociais, tudo pode acontecer!


Acampamento Dos Ciganos Por Vincent Van Gogh

A aldeia era pequena, um daqueles típicos lugarejos de interior, que existem
em todos os países, em qualquer parte do mundo. Por isso, o espanto tão
grande quando a carreta veio vindo, devagar, bamboleando e sacolejando
todos os seus pertences.
A primeira pessoa que a viu foi um lavrador que caminhava também na estrada, mas não deu a ela valor maior do que daria a qualquer outro veículo com que cruzasse.
A segunda pessoa foi uma beata que, saindo da igreja para casa, deparou-se com as cores vivas que pintavam a madeira, achou-as uma depravação, benzeu-se e foi-se a resmungar pelo caminho as maldições que aprendera com sua mãe.
E que esta aprendera com sua avó.
A terceira pessoa que a viu foi um menino que, sentado na calçada defronte de seu quase casebre, teve os olhos atraídos pelas cores brilhantes, os ouvidos pelos sons estranhos e que, depois de uma rápida olhadela, saiu correndo pela rua em direção à capela, sempre gritando:
— Os ciganos! Os ciganos chegaram! — Há ciganos na cidade!
Há ciganos na cidade!
— Que gritaria é esta, menino? O que viu?
— Ciganos, padre! Há ciganos entrando na cidade!
— Eu vi a carroça, padre, é toda pintada com cores fortes, seu cavalo é
forte e reluzente. E o homem que o guia é moreno, alto e forte, também.
São ciganos, Padre!


Mario Antonio Cimarro Paz - Ator

O padre desceu os três degraus, o menino atrás de sua batina, as pessoas que comercializavam ou moravam perto da capela atrás do menino, enquanto a carroça dava a volta na praça e parava exatamente em frente a ele. Durante todo o tempo, os moradores de Encanto apenas ouviam o dialogo do padre e do rapaz. (O padre então ofereceu abrigo ao rapaz e sua irmã, que dormia profundamente). Já sentados à mesa, o rapaz disse que trabalhavam com peças de cobre e couro, mas que se alguém quisesse comprar, a irmã primeiro conversa com a pessoa e só depois molda a peça e pedido, de acordo com a vontade do contratante, e assim foi feito.
O menino saiu para avisar os demais sobre e a moça se propôs, a fazer um cibório brilhante para enfeitar a igreja e para Deus. E durante esses três dias seguintes, houve um constante vai e vem diante da carroça estacionada no pátio da paróquia.
Primeiro, veio o fazendeiro, ele queria uma sela trabalhada para dar de presente
ao seu vizinho. Depois a doceira, que queria um tacho novo para bater os doces
que vendia para as crianças. No dia seguinte, o professor, que levou uma sineta
nova e um retrato do fundador da escola. E o juiz levou para casa uma nova
estatueta da justiça, que colocaria sobre sua mesa no tribunal e o dono do bar, quis uma nova placa para pendurar na porta, onde ele sempre cuidava para que o freguês fosse servido honestamente.
No final de três dias, o cigano contou o lucro, que na visão do padre era um lucro pobre, mas achava as peças que a misteriosa moça fazia de uma beleza impressionante e bem-feita, e assim eles resolveram deixar a aldeia, logo quando o dia amanhecesse e o padre sentiu-se aliviado. Para ele, incomodava a figura estranha daquela moça pelos corredores da paróquia.
Ao se despedirem do padre, deixaram de presente um chapéu que ajustou
perfeitamente à cabeça dele e para o menino que já estava triste, pois
ganhara diversos trocados com eles, a moça deixou duas dúzias de soldados,
prontos para entrar em combate, o sonho do menino ganhar como brinquedo.
Todos foram dormir mais cedo, quando o sol bateu nas janelas da aldeia,
a carroça já ia longe, foi aí então que ouviu-se o primeiro de uma série de gritos
que iriam se repetir por todos os cantos.
Foi a doceira, que acordou cedo para dar ponto no doce, pois, no seu mais
novo tacho jorrava um liquido fedorento que o coalhava.
Depois, o Professor, que entrando no prédio da escola deparou com o retrato
totalmente deformado e a sineta, uma massa opaca.
O juiz, ao chegar no tribunal, viu sua justiça ser desvendada e
um dos pratos da balança, pendia totalmente para o lado de
moedas de ouro.
O dono do bar, quando abriu, viu sua placa com as palavras de ladrão e desonestidade.
O pior grito, então, veio do fazendeiro, que ao testar a sela, viu as figuras
nelas esculpidas, que o sufocaram até a morte.
O padre colocou o chapéu e saiu para acalmar o povo, que gritando ao vê-lo,
imediatamente retirou o chapéu e viu nele a cabeça de um demônio,
sorridente sobre ele. E perante toda essa confusão, foi se tornando claro para todos o que ocorria:
O juiz era corrupto e sempre dava ganho para aqueles que possuiam bens.
O professor não respeitava, em nada o fundador e não se sentia bem ensinando
a um bando de crianças, barulhentas.
A doceira odiava quando estas mesmas crianças, penduravam-se em suas saias,
pedindo mais doces.
O dono do bar roubava sempre que podia nos preços e misturava bebidas falsas
num canto escondido.
O fazendeiro, na realidade, cobiçava as terras do vizinho e sua mulher há longo tempo.
E o padre, homem que sonhara ao entrar para o mosteiro com glórias de bispado,
não se cansava de quando só, maldizer a aldeia, os seus fiéis e principalmente
a pequena capela. E quando todos se tornaram conscientes do que lhes aconteciam, começaram a se esconder um dos outros, por vergonha e dor, lembraram-se do cibório e correram para a capela. E o cibório brilhava, radiante como o sol e nos degraus do altar, o menino tranquilo brincava, com os soldadinhos.
Ao perceber que todos o fitavam estranhamente e com medo de que
iam brigar com ele juntou os homenzinhos e se desculpou:
— já vou sair, padre, só vim para cá para não sujar meus soldadinhos
— Não saia, meu filho, fique brincando aí mesmo, respondeu o padre.
— No fundo, você é o único de todos nós, que tem o direito de permanecer aqui dentro. E um a um, todos foram se trancando em suas casas, enquanto que o menino permanecia travando batalhas de sonho na pequena capela.

Para comprar o livro e ler na íntegra ou saber mais sobre a autora, acesse o link:
E ditora Madreperola

As imagens meramente ilustrativas, reproduzidas da Internet.