A arte de Agradar reina em nossos costumes,
uma vil e enganosa uniformidade, e todos os espíritos parecem ter sido
jogados num mesmo molde; a polidez continuamente exige, o bom tom
ordena, continuamente seguimos os
costumes, jamais nosso gênio próprio. Não mais ousamos parecer o que
somos; e nesta perpétua coerção, os homens que compõem esse rebanho a
que chamamos sociedade, colocados na mesma circunstância, farão todas as
mesmas coisas, se motivos mais potentes não o impedirem.
Jamais,
portanto, saberemos com quem estamos tratando; será preciso, pois, para
conhecer o amigo, aguardar as grandes ocasiões, ou seja, aguardar que
não haja mais tempo, pois é justamente para estas ocasiões que seria
essencial conhecê-lo.
Que cortejo de vícios não acompanhará tal
incerteza? Não mais haverá amizades sinceras; não mais estima real; não
mais confiança fundada. Esconder-se-ão as suspeitas, as desconfianças,
os temores, a frieza, a reserva, o ódio, a traição sob este véu uniforme
e pérfido da polidez, sob essa urbanidade tão valorizada. Não mais se
realçará o mérito próprio, mas se rebaixará o dos outros.
Não se
ultrajará grosseiramente o inimigo, mas será habilmente caluniado.
Haverá excessos proscritos, vícios desonrados, mas outros serão
decorados com o nome de virtudes, não vejo aí senão o refinamento de
intemperança tanto mais indigno do que meu elogio quanto a sua
artificiosa simplicidade. Assim é que nos tornamos gente de bem.
—Jean- Jacques Rousseau - em Discurso sobre as Ciências e as Artes.
Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre Homens.
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