segunda-feira, dezembro 30, 2013
A arte de agradar reina em nossos costumes, uma vil e enganosa uniformidade, e todos os espíritos parecem ter sido jogados num mesmo molde; a polidez continuamente exige, o bom tom ordena, continuamente seguimos os costumes, jamais nosso gênio próprio.
Não mais ousamos parecer o que somos; e nesta perpétua coerção, os homens que compõem esse rebanho a que chamamos sociedade, colocados na mesma circunstância, farão todas as mesmas coisas, se motivos mais potentes não o impedirem.
Jamais, portanto, saberemos com quem estamos tratando; será preciso, pois, para conhecer o amigo, aguardar as grandes ocasiões, ou seja, aguardar que não haja mais tempo, pois é justamente para estas ocasiões que seria essencial conhecê-lo.
Que cortejo de vícios não acompanhará tal incerteza? Não mais haverá amizades sinceras; não mais estima real; não mais confiança fundada.
Esconder-se-ão as suspeitas, as desconfianças, os temores, a frieza, a reserva, o ódio, a traição sob este véu uniforme e pérfido da polidez, sob essa urbanidade tão valorizada.
Não se ultrajará grosseiramente o inimigo, mas será habilmente caluniado.
Haverá excessos proscritos, vícios desonrados, mas outros serão decorados com o nome de virtudes, não vejo aí senão o refinamento de intemperança tanto mais indigno do que meu elogio quanto a sua artificiosa simplicidade. Assim é que nos tornamos gente de bem.
— Jean Jacques Rousseau - Trecho do "Discurso sobre as Ciências e as Artes". "Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre Homens"
Imagem: Reprodução Google.
quinta-feira, dezembro 26, 2013
Para você ganhar belíssimo
Ano Novo cor do arco-íris,
ou da cor da
sua paz,
Ano Novo sem comparação
com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido).
Para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas
do vir-a-ser;
novo até no coração das
coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior) novo,
espontâneo, que de tão perfeito
nem se nota,
mas com ele se come,
se passeia,
se ama, se compreende,
se trabalha,
você não precisa beber
champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber
mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa fazer lista
de boas intenções para
arquivá-las
na gaveta.
Não precisa chorar
arrependido
pelas besteiras
consumidas
nem parvamente
acreditar
que por decreto de
esperança
a partir de janeiro as coisas
mudem
e seja tudo claridade,
recompensa,
justiça entre
os homens e as nações,
liberdade com cheiro e
gosto de pão
matinal,
direitos respeitados,
começando
pelo direito augusto
de viver.
Para ganhar um
Ano Novo
que mereça este
nome,
você, meu caro, tem de
merecê-lo,
tem de fazê-lo novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente,
consciente.
É dentro de você que o
Ano Novo
cochila e espera
desde sempre.
por Carlos Drummond
de Andrade.