domingo, novembro 02, 2014

Diógenes, o Cínico



Diógenes sentado em seu barril cercado por cães. Pintura de Jean-Léon Gérôme (1824 – 1904), 1860.

Diógenes de Sínope, (404 ou 412 a.C. – c. 323 a.C.), também conhecido como Diógenes, o Cínico, foi um filósofo da Grécia Antiga e considerado um importante precedente da vertente libertária conhecida como Anarcoindividualismo.1 Os detalhes de sua vida são conhecidos através de anedotas (chreia), especialmente as reunidas por Diógenes Laércio em sua obra Vidas e Opiniões de Filósofos Eminentes.

Diógenes foi exilado de sua cidade natal e se mudou para Atenas, onde teria se tornado um discípulo de Antístenes, antigo pupilo de Sócrates. Tornou-se um mendigo que habitava as ruas de Atenas, fazendo da pobreza extrema uma virtude. Diz-se que teria vivido em um grande barril, no lugar de uma casa, e perambulava pelas ruas, na mais completa miséria, carregando uma lamparina, durante o dia, alegando estar procurando por um homem honesto. Eventualmente se estabeleceu em Corinto, onde continuou a buscar o ideal cínico da autossuficiência, ou seja: uma vida que fosse natural e não dependesse das luxúrias da civilização. Por acreditar que a virtude era melhor revelada na ação e não na teoria, sua vida consistiu de uma campanha incansável para desbancar as instituições e os valores sociais, do que ele via como uma sociedade corrupta. 

Diógenes desprezava a opinião e reza a lenda que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela (que simbolizavam seu desapego), sendo conhecido também, talvez pejorativamente como kinos, o cão, pela forma como vivia.

É famosa uma passagem com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para a Alexandre, disse: — Não me tires o que não me podes dar! (variante: — Afasta-te do meu Sol). Esta resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: — Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.(*)

Outra história famosa é a de que, tendo sido repreendido por estar se masturbando em público, simplesmente exclamou: — Oh!, mas que pena que não se possa viver apenas esfregando a barriga!

Outra história ainda é a de que, um dia, Diógenes foi visto pedindo esmola a uma estátua. Quando lhe perguntaram o motivo de tal conduta, ele respondeu: — Por dois motivos: primeiro, é que ela é cega e não me vê; e segundo, é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de ninguém.

Enfim, como afirmou Ambrósio Preters, Diógenes foi um religioso sem religião – um cristão sem Cristianismo, um essênio sem o Essenismo, um maçom sem Maçonaria.

Pensamentos de Diógenes

Não sou nem ateniense nem grego, mas, sim, um cidadão do mundo.

Homem Vitruviano2

Sou uma criatura do mundo ('kosmopolite'), e não de um estado ou uma cidade ('polis') particular.

Um pensamento original vale mil citações insignificantes.

Procuro um verdadeiro homem.

Na casa de um rico não há lugar para se cuspir, a não ser em sua cara.

Discurse sobre a virtude, e eles passarão como rebanho. Assobie e cante, e terás uma plateia.

Para que serve um filósofo, se não para machucar os sentimentos de alguém?

Os piores escravos são aqueles que estão servindo constantemente às suas paixões.

Se o corpo chamasse a alma perante a justiça, ele a convenceria facilmente de má administração.

Qual o melhor momento para o jantar? Se alguém é rico, quando quiser; se é pobre, quando puder.

O insulto desonra a quem injuria, não a quem o recebe.

Entre os ricos e os pobres de espírito há pouco espaço.

Em cada arrogância espreita a sombra da nossa vergonha.

A calúnia é apenas o ruído de loucos.

Temos duas orelhas e uma língua. Deveríamos ouvir mais e falar menos.

Os líderes sábios têm, geralmente, conselheiros sábios.

Não sei se há deuses, mas deveria haver.

Eu não sei nada, exceto o fato da minha ignorância.

Por que não chicotear o professor quando o aluno se comporta mal?

Há apenas um dedo de diferença entre um sábio e um tolo.

Ninguém é ferido, a não ser por si mesmo.

Diógenes entrou em seu barril, e, vigorosamente, rolou na calçada. Quando perguntado por que ele havia feito aquilo, ele respondeu: — Apenas para me fazer parecer tão ativo quanto o resto de vocês.

A vida não é uma mal; mas viver mal, sim, isto é um mal.

Por que, então, você vive, se você não se importa em viver bem?

Eu lhe perguntei se ele sabia os meios para manter o corpo e a alma juntos, de tal forma a não os separar nunca.

Ao ser perguntado como alguém poderia se tornar famoso, Diógenes respondeu: — Preocupando-se o mínimo possível com a fama.

Os cães e os filósofos fazem o maior bem e obtêm o menor número de recompensas.

A maioria dos homens está à distância de um dedo de se tornarem loucos.

Eu joguei minha caneca fora quando vi uma criança beber com suas mãos na gamela.

Quando olho para os marinheiros, para os homens de ciência e para os filósofos, penso: o homem é o mais sábio de todos os seres. Quando olho para os sacerdotes e para os profetas, penso: nada é tão desprezível como o homem.

O homem é o mais inteligente dos animais – e o mais bobo.

Eu ainda tenho a minha lanterna.

Por uma questão de autopreservação, o homem precisa de bons amigos e de inimigos fervorosos; os primeiros, para instruí-lo, e os segundos, para estimulá-lo a cumprir suas tarefas.

Em certa ocasião, Diógenes vendo uma mulher prostrada em oração com a cabeça no nível do chão, chegou-se a ela, interrompeu-a em seu ato religioso, e lhe disse: —Não tens medo de que possa estar atrás de ti um desses tantos deuses que dizem haver por aí?

De outra vez, ao ver o filho de uma cortesã atirando pedras contra uma multidão, lhe disse: — Cuidado, não vás acertar teu pai.

Um dia, perguntaram a Diógenes em que lugar da Grécia havia visto homens bons. Ele respondeu: — Homens bons não vi em parte nenhuma; mas vi crianças na Lacedemônia.

Em uma ocasião, Diógenes clamava: — Homens! Homens! Acudiram vários, mas ele os dispersou à pauladas, proferindo: — Pedi homens, não excrementos!

Quando lhe disseram 'os sinopenses condenaram-te ao desterro', Diógenes respondeu: — E eu os condenei a lá ficarem.

A um homem que lhe disse que toda a gente se ria dele, Diógenes respondeu: — E, se calhar, também os burros se riem dessa gente toda, mas nem eles prestam atenção aos burros nem eu a eles.

Perguntaram a Diógenes o que havia feito para ser chamado de cão. A resposta foi: — Balanço a cauda alegremente para quem me dá qualquer coisa, ladro para os que recusam e mordo os patifes.

Seria ótimo se pudéssemos aplacar a fome esfregando o estômago.

Grandes ladrões afastam os pequenos.

Os deuses concederam aos homens fáceis meios de vida, mas os esconderam da vista humana.

Quando eu morrer, me joguem aos cães. Eu já estou acostumado.
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Notas:
1. O Anarquismo Individualista (ou Anarcoindividualismo) é uma tradição filosófica do Anarquismo com ênfase no indivíduo e na sua vontade, argumentando que cada um é seu próprio mestre, interagindo com os outros através de uma associação voluntária.

2. O Homem Vitruviano (ou Homem de Vitrúvio) é um conceito apresentado na obra Os dez Livros da Arquitetura, escrita pelo arquiteto romano Marco Vitruvio Polião (século I a.C.), do qual o conceito herda no nome. Tal conceito é considerado um cânone das proporções do corpo humano, segundo um determinado raciocínio matemático e baseando-se, em parte, na Divina Proporção (valor arredondado a três casas decimais = 1,618). Desta forma, o homem descrito por Vitrúvio apresenta-se como um modelo ideal para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo o ideal clássico de beleza, cultuado particularmente no Renascimento.
Reproduzido do Site: http://paxprofundis.org

Em tempo: (*) Alexandre também respondeu a Diógenes: “- Não sou eu que te faço sombra.”