No Grande Sertão: Veredas, Rosa nos apresenta também o seu conhecimento sobre a vida e a dificuldade de viver e conviver. Em várias páginas desta obra, a vida marca as pessoas e esta marca oferece a oportunidade para a reflexão sobre si e sobre os outros. Ele diz: “o senhor sabe: o perigo que é viver…”; “Viver é um descuido prosseguido”
Viver é perigoso
porque a vida é única, pessoal, intransferível. Isto amedronta. É
formidável. Quando se passam a outra pessoa as rédeas da própria vida, a
pessoa se perde, se despersonaliza. Hoje, muitas pessoas se sentem
incapazes de decidirem os rumos da sua vida. Dependem sempre de
conselhos e de opinião de outras pessoas sobre si mesmas ou de leitura
de livros de autoajuda.
Rosa escreveu que “cedo aprendi a viver sozinho”,
isto é, aprendeu a decidir os rumos de sua vida desde pequenino. E,
mais tarde, ele, feliz com a própria decisão, nos revela que “viver é
muito perigoso, mesmo”.
Mas, a vida é sempre
inédita, ela muda continuamente. E, Guimarães Rosa também descobre esta
verdade e fica emocionado, ao afirmar que as pessoas vivem de maneira
pessoal e que esta experiência é única. Ele diz: “viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor”.
A vida é perigosa, mas é necessário o amor para viver perto da outra pessoa, sem o perigo de ódio. “Só
se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de
ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um
descanso na loucura. Deus é que me sabe”.
Viver com a outra pessoa exige proximidade, olho no olho. Confidencialidade. “Viver perto das pessoas é sempre dificultoso, na face dos olhos”. O
dia a dia leva muitas pessoas a não verem a outra pessoa. Tudo parece
banalizado, sem sabor, sem sentimentos, sem paixão. O marido não percebe
a esposa e os seus sentimentos, a esposa não sente a atenção do marido,
pais e mães não conhecem os filhos, não conversam com eles. As relações
são frias e interesseiras.
Esta experiência, às vezes, traz desconsolos e esperanças: “o
senhor entende, o que conto assim é resumo; pois, no estado do viver,
as coisas vão enqueridas com muita astúcia: um dia é todo para a
esperança, o seguinte para a desconsolação”.
Ao mesmo tempo, pouco a pouco, há a alegria pessoal com a vida. Esta alegria supera a tristeza. É uma aprendizagem diária: “e
fui vendo que aos poucos eu entrava numa alegria estrita, contente com o
viver, mas apressadamente. A dizer, eu não me afoitei logo de crer
nessa alegria direito, como que o trivial da tristeza pudesse retornar.
Ah, voltou não; por oras, não voltava”.
Rosa nos mostra que
ninguém nasce para permanecer perdido na vida. Cada pessoa tem a sua
vida e pode descobrir a sua maneira única de viver consigo e com os
outros. Sempre há caminhos, cada um tem o seu e sabe que tem. Ele mesmo
quem diz:
“Sempre sei, realmente. Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma só
coisa – a inteira – cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que
sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho
certo, estreito, de cada uma pessoa viver – e essa pauta
cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é
que, sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas, esse
norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. E que: para cada dia, e cada hora, só uma ação possível da gente é que consegue ser a certa”.
Na maturidade, (como é importante escutar os idosos, aprender com eles), Rosa nos diz que viver é aprender a viver: “O
senhor escute meu coração, pegue no meu pulso. O senhor avista meus
cabelos brancos… Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se
sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo”.
Autoria by José Ildon Gonçalves da Cruz Publicado em 9 agosto, 2008 .
Fonte: http://joseildon.wordpress.com/2008/08/09/guimaraes-rosa-na-abc-viver-e-muito-perigoso-mesmo-5/