Por Regis Tadeu | Na Mira do Regis –– qua, 24 de out de 2012 13:20 BRST
A frase do cartaz de divulgação das apresentações de Robert Plant no Brasil — "A voz do Led Zeppelin" — serviu apenas para dar uma noção àquela parcela de público "sem noção", que só conhece a extinta banda britânica quando ouve "Stairway to Heaven". Porque nada foi mais distante desta frase que a própria voz de Robert Plant e, principalmente, os arranjos de cada uma das canções que o vocalista apresentou ontem em sua ESPETACULAR (com maiúsculas mesmo) apresentação no Espaço das Américas em São Paulo.
A partir do primeiro instante em que a figura de Plant surge no palco, antes mesmo dos acordes da primeira música — a ótima "Tin Pan Valley" -, já deu para perceber que estava ali um homem muito diferente daquele vocalista de cabelos dourados e figura mítica dos anos 70. Com o rosto enrugado e cabelos em desalinho, Plant parece nos mostrar, com um enorme sorriso no rosto, que ele mesmo não dá a mínima importância para o que representou como ícone de adoração por parte de pelo menos duas gerações. E nem precisa se preocupar com a atenção da plateia, já que seu carisma beira o estratosférico.
Quando a música começou, foi aí que caímos na real: Plant iria nadar contra a corrente daqueles que esperavam uma sonoridade mais rústica e visceral. "Tin Pan Valley" — um trocadilho com "Tin Pan Alley", o lendário grupo de compositores e editores musicais que dominou os Estados Unidos na primeira metade do século passado — foi uma das revelações de como seria a apresentação como um todo: a mistura de levadas eletrônicas com ataques enfurecidos e cortantes transformou a canção em um monstro com duas cabeças em termos de referências: Massive Attack e Queens of the Stone Age. A outra revelação veio na maneira como Plant voltou o seu coração musical para a África, mas sem esquecer a reverberação sônica eletrônica do mundo ocidental.
Se a voz, obviamente, não atinge mais as alturas em termos de frequências, a exploração experimentalista de inúmeras canções transformou o show em uma sessão de hipnose coletiva. Foi simplesmente impossível desgrudar os olhos e os ouvidos do palco, ao mesmo tempo em que o meu corpo reagiu com espasmos que poderiam ser considerados como uma "dança" pelos menos exigentes. A dignidade com que Plant desafiou a velhice com um raro senso de musicalidade foi desconcertante.
Um capítulo à parte deve ser dado à espetacular banda que o acompanhou, The Sensational Space Shifters. Com dois guitarristas estupendos, principalmente na escolha dos timbres de cada canção - Justin Adams e Liam Tyson (ex-Cast) -, um tecladista quer poderia ser muito bem um parceiro da Björk - John Baggott —, um baixista correto - Billy Fuller - e um baterista com cara de nerd, mas dono de uma pegada firme e criativa — Dave Smith -, o grupo ainda recebeu o reforço do músico africano Juldeh Camara, uma mistura de Buddy Guy com Jean-Luc Ponty que simplesmente arrasou ao tocar dois instrumentos estranhíssimos: o riti, que parece um violino/rabeca, só que tocado com um arco e sem a flecha, e um kologo, que soa como um banjo dentro de um amplificador de guitarra. São estes caras que fazem com que o som de Plant se transforme em um imenso caleidoscópio multiétnico cultural de primeira grandeza.
Nos momentos em que tocou músicas do Led Zeppelin como "Friends", "Black Dog", "Whole Lotta Love", "Ramble On", "Bron-y-aur Stomp", Plant orgulhosamente desconstruiu os arranjos, a ponto de só reconhecermos as canções quando as letras começavam a brotar da boca do vocalista. Foi como se ele dissesse à plateia "Ok, se vocês querem ouvir coisas da minha ex-banda, vai ser do meu jeito". Aliás, este sentimento permeou toda a apresentação. Era impossível saber o que Plant e sua banda iriam nos mostrar a cada compasso. E isto foi ótimo! Eu mesmo só reconheci "Spoonful", de Howlin' Wolf, quando Plant mandou o refrão...
No bis, Plant levou todo mundo ás lágrimas com a sempre delicada "Going to California" para, em seguida, esmagar nossos crânios com uma abordagem do clássico "Rock 'n' Roll" sob o viés da banda do Josh Homme. Sensacional!
Quando o show acabou, não havia como voltar para casa sem pensar na maneira como Plant desconstruiu e reconstruiu seu próprio trabalho e, por que não dizer, sua carreira inteira. E isto sem pensar um minuto sequer no desapontamento das pessoas que lá estiveram na tentativa de gritar "urrrúuu" e tirar fotos para colocar nos "Instagrams da vida" ao som enquanto esperavam para aplaudir a uma carcaça chamada Led Zeppelin. E quando agrada a esta turma, é como se jogasse uns amendoins cheios de LSD para elefantes domesticados...
Nada mal para um senhor de 64 anos que se recusa terminantemente a dar prosseguimento ao legado do Led Zeppelin. Depois do show de ontem, isto faz todo o sentido do mundo...
Abaixo, você pode assistir ao primeiro show em São Paulo praticamente na íntegra. Veja, ouça e diga se estou mentindo...
A partir do primeiro instante em que a figura de Plant surge no palco, antes mesmo dos acordes da primeira música — a ótima "Tin Pan Valley" -, já deu para perceber que estava ali um homem muito diferente daquele vocalista de cabelos dourados e figura mítica dos anos 70. Com o rosto enrugado e cabelos em desalinho, Plant parece nos mostrar, com um enorme sorriso no rosto, que ele mesmo não dá a mínima importância para o que representou como ícone de adoração por parte de pelo menos duas gerações. E nem precisa se preocupar com a atenção da plateia, já que seu carisma beira o estratosférico.
Quando a música começou, foi aí que caímos na real: Plant iria nadar contra a corrente daqueles que esperavam uma sonoridade mais rústica e visceral. "Tin Pan Valley" — um trocadilho com "Tin Pan Alley", o lendário grupo de compositores e editores musicais que dominou os Estados Unidos na primeira metade do século passado — foi uma das revelações de como seria a apresentação como um todo: a mistura de levadas eletrônicas com ataques enfurecidos e cortantes transformou a canção em um monstro com duas cabeças em termos de referências: Massive Attack e Queens of the Stone Age. A outra revelação veio na maneira como Plant voltou o seu coração musical para a África, mas sem esquecer a reverberação sônica eletrônica do mundo ocidental.
Se a voz, obviamente, não atinge mais as alturas em termos de frequências, a exploração experimentalista de inúmeras canções transformou o show em uma sessão de hipnose coletiva. Foi simplesmente impossível desgrudar os olhos e os ouvidos do palco, ao mesmo tempo em que o meu corpo reagiu com espasmos que poderiam ser considerados como uma "dança" pelos menos exigentes. A dignidade com que Plant desafiou a velhice com um raro senso de musicalidade foi desconcertante.
Um capítulo à parte deve ser dado à espetacular banda que o acompanhou, The Sensational Space Shifters. Com dois guitarristas estupendos, principalmente na escolha dos timbres de cada canção - Justin Adams e Liam Tyson (ex-Cast) -, um tecladista quer poderia ser muito bem um parceiro da Björk - John Baggott —, um baixista correto - Billy Fuller - e um baterista com cara de nerd, mas dono de uma pegada firme e criativa — Dave Smith -, o grupo ainda recebeu o reforço do músico africano Juldeh Camara, uma mistura de Buddy Guy com Jean-Luc Ponty que simplesmente arrasou ao tocar dois instrumentos estranhíssimos: o riti, que parece um violino/rabeca, só que tocado com um arco e sem a flecha, e um kologo, que soa como um banjo dentro de um amplificador de guitarra. São estes caras que fazem com que o som de Plant se transforme em um imenso caleidoscópio multiétnico cultural de primeira grandeza.
Nos momentos em que tocou músicas do Led Zeppelin como "Friends", "Black Dog", "Whole Lotta Love", "Ramble On", "Bron-y-aur Stomp", Plant orgulhosamente desconstruiu os arranjos, a ponto de só reconhecermos as canções quando as letras começavam a brotar da boca do vocalista. Foi como se ele dissesse à plateia "Ok, se vocês querem ouvir coisas da minha ex-banda, vai ser do meu jeito". Aliás, este sentimento permeou toda a apresentação. Era impossível saber o que Plant e sua banda iriam nos mostrar a cada compasso. E isto foi ótimo! Eu mesmo só reconheci "Spoonful", de Howlin' Wolf, quando Plant mandou o refrão...
No bis, Plant levou todo mundo ás lágrimas com a sempre delicada "Going to California" para, em seguida, esmagar nossos crânios com uma abordagem do clássico "Rock 'n' Roll" sob o viés da banda do Josh Homme. Sensacional!
Quando o show acabou, não havia como voltar para casa sem pensar na maneira como Plant desconstruiu e reconstruiu seu próprio trabalho e, por que não dizer, sua carreira inteira. E isto sem pensar um minuto sequer no desapontamento das pessoas que lá estiveram na tentativa de gritar "urrrúuu" e tirar fotos para colocar nos "Instagrams da vida" ao som enquanto esperavam para aplaudir a uma carcaça chamada Led Zeppelin. E quando agrada a esta turma, é como se jogasse uns amendoins cheios de LSD para elefantes domesticados...
Nada mal para um senhor de 64 anos que se recusa terminantemente a dar prosseguimento ao legado do Led Zeppelin. Depois do show de ontem, isto faz todo o sentido do mundo...
Abaixo, você pode assistir ao primeiro show em São Paulo praticamente na íntegra. Veja, ouça e diga se estou mentindo...
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