terça-feira, outubro 07, 2008

A Folha Amassada

Quando criança, por causa de meu caráter impulsivo, tinha raiva à menor provocação. Na maioria das vezes, depois de um desses incidentes me sentia envergonhado e me esforçava por consolar a quem tinha magoado.

Imagem de congerdesign por Pixabay


Um dia, meu professor, após presenciar toda uma cena, me viu pedindo desculpas, depois de uma explosão de raiva. Ele aí me chamou e me entregou uma folha de papel lisa e me disse:
— Amasse-a!

Com receio, obedeci e fiz com ela uma bolinha. — Agora, deixe-a como estava antes. Voltou a dizer-me.  É óbvio que não pude deixá-la como antes. Por mais que tentasse, papel continuava cheio de pregas.

O professor me disse, então:

— O coração das pessoas é como esse papel. A impressão que neles deixamos será tão difícil de apagar como esses amassados.  Assim, aprendi a ser mais compreensivo e mais paciente. Quando sinto vontade de estourar, lembro daquele papel amassado. Quando magoamos alguém com nossas ações ou com nossas palavras, logo queremos consertar o erro, mas é tarde demais... Esquecemos os valiosos ensinamentos contidos nos provérbios que a cultura popular cunhou para enfatizar a importância do silêncio: — “falar é prata, calar é ouro”, —“bom é saber calar até o tempo de falar” e até o divertido —“em boca fechada não entra mosca”.

São conselhos que, inadvertidamente, contrariamos o tempo todo. Mas isso é compreensível. Vivemos numa sociedade extrovertida, que valoriza as atitudes incisivas e onde tudo se fala, tudo se discute. Segundo o taoísmo – uma grande escola dos filósofos chineses, que floresceu entre os séculos 6 e 4 a.C. – o Universo é regido pelas energias yin e yang (a primeira remete a repouso e introspecção e a segunda, a movimento e expansão). 

—Nossa sociedade é exageradamente yang, ruidosa, agitada, nervosa.

Para equilibrar as energias, é fundamental silenciar, o que é yin” afirma Wagner Canaloga, sacerdote da Sociedade Taoísta do Brasil. Neste mundo yang, muita gente tem dificuldade de encarar a quietude. Na praia, alto-falantes a todo volume tornam inaudível o barulho das ondas, mas ninguém parece se importar.

Quando todos se calam na roda de amigos, alguém sempre solta uma piada ou comentário para quebrar o gelo – e o silêncio. Quando acompanhados, sentem urgência de falar, qualquer coisa que seja, como se calados deixassem expostas a falta de assunto, de diálogo, de interesses em comum. E não deveria ser assim. Economizar palavras nada tem a ver com a dificuldade de se comunicar ou mesmo de prestar atenção em quem está ao lado. Também não tem relação com o que não é dito e o que é escondido ou reprimido.

Nem com as lacunas que podem se abrir na convivência entre casais, pais e filhos.O silêncio une e não separa, pois por meio dele também se constrói a intimidade — é gostoso quando o vínculo se estabelece com um sorriso, um olhar ou um gesto, sem necessidade de palavras.O silêncio conforta, apazigua, restaura forças. É pacífico, nunca hostil.
“Contemplação, inspiração e comunhão também cabem na palavra silêncio”, lembra Andréa Perdigão.

Para alguns, essa é uma situação de risco.“Há tanta gente não acostumada a olhar para seu interior. Por isso, o silêncio angustia”, afirma Judy Souza, da Self Realization Fellowship São Paulo, uma entidade que divulga os ensinamentos do mestre iogue Paramahansa Yogananda (1893- 1952).

Esse guru indiano dizia que só é possível conseguir paz de espírito quando se cria, dentro de si, um santuário de silêncio, livre de aflições, desejos e ressentimentos. O silêncio une e não separa, pois por meio dele também se constrói a intimidade — Nesse refúgio de paz, Deus lhe visitará”, foram as palavras de Yogananda.

Em geral, quem não se concede a chance de silenciar não permite que quem esteja ao lado conquiste a sua. “No vácuo que se abre com o silêncio, nascem a insegurança, a desconfiança e com elas, a urgência de saber o que se passa na cabeça do outro”, afirma Maria Eugênia Vanzolini, professora de psicologia da Universidade de São Paulo.

Para silenciar:

Desacelere. Programe viagens para lugares tranqüilos, onde possa relaxar e escutar os sons da natureza. Em templos e espaços religiosos, também se cultiva o silêncio interior.

Desconecte-se. De vez em quando, desligue telefone, TV, rádio e outras fontes de barulho. Procure se aquietar e não falar. Deite-se ou tome um banho relaxante, por exemplo.

• Focalize. Concentre-se no presente e mantenha a mente livre dos pensamentos desnecessários: eles contribuem para o ruído interno, que estimula a ânsia de falar.

Não fale por falar. Preste atenção se seu jeito de se comunicar não é seco ou ríspido. Sem querer, você pode ser mal interpretado e magoar os outros. E meça mais as palavras.

Medite. Encontre a técnica que melhor se encaixa em sua rotina. Basicamente, todas ensinam a se sentar ereto, relaxar e deixar passar os pensamentos, sem retê-los.

Reze. Em todas as religiões, a prece é uma forma de interiorização que conduz à paz de espírito e ao silêncio interior.

Fonte de origem: extraído da Revista Bons Fluídos - Edição 088.
TEXTO: WILSON F. D. WEIGL - REPORTAGEM: ROBERTA DE LUCCA

quarta-feira, outubro 01, 2008

NAMASTÊ