Da leitora Sonia Araújo: “Por que hoje em dia o mundo trata coisas e pessoas como descartáveis? Como fazer para não ser considerado algo descartável?”
Geni e o Zepelim - Reprodução Internet |
Por Eugênio Mussak
– Joga pedra na Geni!
Esta é uma das frases fortes de uma das melhores músicas do Chico Buarque, lá dos idos de 1977. Conta a história de uma cidade de gente má, que se vê ameaçada pelo comandante de um zepelim dourado cheio de canhões. Mas há uma esperança. O feroz guerreiro se interessa por Geni, uma linda moça de grande coração e de vida devassa:
– Quando vi nesta cidade/ Tanto horror e iniqüidade/ Resolvi tudo explodir/ Mas posso evitar o drama/ Se aquela formosa dama/ Esta noite me servir!
Mas, para a surpresa de todos, Geni nega-se, pois ela tem lá seus caprichos. Cidadãos respeitáveis imploraram que ela os salvasse. O prefeito veio de joelhos, o bispo de olhos vermelhos e o banqueiro ofereceu 1 milhão. Todos a encheram de mimos e elogios:
– Você pode nos salvar/ Você vai nos redimir/ Bendita Geni!
Ela, então, cede às suplicas de todos e entrega-se nauseada ao forasteiro, que cheirava a brilho e a cobre. Quando ele, saciado, vai embora e ela pensa que finalmente vai descansar, ouve a cantoria daqueles que havia acabado de salvar, e que não viam nela mais nenhum valor:
– Joga pedra na Geni/ Joga bosta na Geni/ Ela é boa de apanhar/ Ela é boa de cuspir/ Ela dá pra qualquer um/ Maldita Geni!
Pois é, o Chico, em uma de suas melhores fases conseguiu, com sua poesia, desnudar a alma mais uma vez. Só que, desta feita mostrou um lado sombrio, mesquinho e pequeno que carregamos em nós.
Abordou aquela terrível mania de conferir utilidade para as pessoas e tratá-las de acordo com essa utilidade, e não em função de sua condição de ser humano.
Ao lidarmos com uma pessoa apenas com base no ponto de vista de sua utilidade, a estamos “coisificando”, tratando-a como uma coisa.
E isso ocorre porque a sociedade em que vivemos é o império da eficácia e não o reinado do valor. Sim, pessoas descartadas são pessoas coisificadas.
E o pior é que ideias, valores e até pessoas são descartadas com freqüência, após vencer o prazo de utilidade. É o “efeito Geni”
Cada um tem seu valor
". Atribuir-se valor e fazer jus a ele dá à pessoa uma qualidade só sua, demasiadamente humana, e que os objetos nunca terão: dignidade.Coisas têm preço, atribuído em função de sua utilidade e de sua raridade. Pessoas têm dignidade, que lhes é atribuída de maneira diretamente proporcional aos seus valores. Todos podem escolher como percorrer a vida. Há o atalho do preço e há o caminho do valor". Boa escolha!
Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril.
Todos os direitos reservados.
trecho reproduzido do site de eugeniomussaki para ler na íntegra.
Imagem: Reprodução blogdovelhinho
Nota deste blog: Embora a música não deixa claro quanto a sexualidade de Geni, na peça "Ópera do Malandro" é interpretada como um travesti.