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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O seu caminho tem coração?

“Nós não nos damos conta de que podemos cortar qualquer coisa de nossas vidas, a qualquer momento, num piscar de olhos.” por Carlos Castañeda.

 
         
                                               Imagem de Albrecht Fietz por Pixabay

O livro “A Erva do diabo” traz os ensinamentos que o autor Carlos Castañeda, recebeu do índio yaqui dom Juan Matus, quando estava na fronteira dos Estados Unidos com o México, fazendo uma pesquisa para seu mestrado. São experiências vividas e faz o leitor refletir sobre os caminhos que tomamos ao longo de nossa existência.

Muitas vezes embasadas nos ditames morais, juízo de valor. Muitas vezes, deixamos nossos sonhos para trás, em virtude de deveres a cumprir. Outras por receio do julgamento da sociedade quando se foge do convencional e o que o senso comum dita.

E vamos sendo moldados conforme a época ou até retrocedemos. Depende de que lado o vento sopra mais forte. Quando se vê estamos envelhecidos, a mercê da bondade ou compaixão alheia e já não há mais tempo para correr atrás dos nossos sonhos, valores que acreditamos. Outros ainda nos cobram a vida inteira pelos erros, desconcertos, experiências malfadadas, e assim por diante.

No entanto, como diz Carrol, Lewis, “Não posso voltar para ontem porque lá eu era uma outra pessoa”. Alice no País das Maravilhas, 1865. Porque evoluir é isso, aprender com o empirismo, buscar conhecimento, questionar e quebrar paradigmas.

E se a mudança foi para melhor em termos de amadurecimento, não há o porquê cobrar a transformação delas, se for para melhor, para agregar ao todo. Não devemos ignorar o passado, nem podemos fazê-lo, até para uma autocrítica do presente e o que desejamos para o futuro.

Se no presente nos apresentamos como uma pessoa melhor, mais humanizada, mais consciente e voltada para o bem do coletivo, significa que nas andanças de antes, em dado momento, percebemos que naquele outro caminho não havia um coração melhorado, então o deixamos para trás.

Terrível é se a pessoa continua a andar em círculos e cometer os mesmos erros do passado, sem autocrítica, autoavaliação sobre.


Imagem de Mariangela Castro por Pixabay.
                     

O seu caminho tem coração?

Tudo é um entre um milhão de caminhos. Portanto, você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve segui-lo, não deve permanecer nele, sob nenhuma circunstância.

Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso o que seu coração lhe manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso.

Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito, quando eu era jovem, e meu sangue era forte demais para poder entendê-la.

Agora eu a entendo. Dir-lhe-ei qual é: esse caminho tem coração? Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato.

Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração?

Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem, alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o enfraquece.

(...)

— Mas como é que sabe quando o caminho não tem coração, Dom Juan?

— Antes de segui-lo, você faz a pergunta: esse caminho tem coração? Se a resposta for não, você o saberá, e então deve escolher outro caminho.

— Mas como saberei ao certo se um caminho tem ou não coração?

— Qualquer pessoa sabe isso. O problema é que ninguém faz a pergunta; e quando o homem afinal descobre que tomou um caminho sem coração, o caminho está pronto para matá-lo. Nesse ponto muito poucos homens conseguem parar para pensar e deixar o caminho.

— Como devo fazer para perguntar direito, Dom Juan?

— Pergunte, apenas.

— Quero dizer, existe um método apropriado, para não mentir a mim mesmo, acreditando que a resposta é sim quando na verdade é não?

— Por que havia de mentir?

— Talvez porque no momento o caminho seja agradável.

— Isso é tolice. Um caminho sem coração nunca é agradável. Tem de trabalhar muito até para segui-lo. Por outro lado, um caminho com coração é fácil; não o faz trabalhar para gostar dele. (...) Já lhe disse que, para escolher um caminho, você deve estar livre do medo e da ambição.

Argumentei que a gente precisa de ambição até para tomar algum caminho, e que a afirmação dele, de que a gente tinha de ser livre de ambição, não tinha sentido. Uma pessoa tem de ter ambição para poder aprender.


Trecho de: “A Erva do Diabo” de Carlos Castañeda, Editora Record.

Para conhecer o livro https://www.google.com/search