sábado, julho 21, 2012

A figura do delator



“Que os jurados deliberem o seu veredicto  — disse o Rei, mais ou menos pela
 vigésima vez naquele dia. 
 Não, não! — gritou a Rainha. 
Primeiro a sentença, o veredicto vem depois.”   
Lewis Carrol em "Aventuras de Alice no País das Maravilhas".


A figura do delator, dedo-duro, alcagüete, informante, boca-mole, 
língua-solta, etc, sempre foi considerado infame. 
 
O código moral do mundo do crime e dos agitadores políticos que vivem na clandestinidade, condena o delator com a morte. 

Em “Olga” baseado no filme homônimo de Fernando Morais, a namorada de um militante do partido comunista paga com a própria vida ao delatar 
os companheiros de luta. 

Pesquisa realizada por um professor, meu amigo, revelou que os jovens de hoje acham a delação algo pior do que comprar trabalho na Internet. 
 
Uma professora me disse, também, que “eles não delatam nenhum colega que 
cometeu alguma transgressão”.
 
A delação, o dedurismo, a alcagüetagem, acontece quando uma pessoa entrega outra  a uma instância de poder. 
 
O delator é movido por interesses pessoais, para se safar de pressões, por vingança, ou  qualquer outro motivo sempre menos; ele está sempre convicto de que  a vítima é culpada– no mínimo,  mais do que ele próprio .
 
– e, obviamente, não se importará se ele for exemplarmente punida.
Os sentimentos que movem  o dedo-duro são a inveja e o ódio; 
portanto, seu gesto não é fundado na ética,  mas no mero desejo de “fazer mal” a alguém. 
 
Um dicionário jurídico considera a delação um “produto de um
ódio ou qualquer outra paixão, quando, além do desejo de fazer mal...” 
(Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva. Rio: Forense, v. 2, 1978: 488).

O gesto do dedo-duro não visa a obtenção de se conseguir proventos 
materiais, mas provavelmente esconde um “outro tipos de ganho”: 
um gozo sádico contra o delatado.

Há quem diga que vivemos um “momento pedagógico” em termos de política e de moral.
Duvido. 
Que pode ensinar o momento político em que vivermos: usar do direito de acusar  sem provas algum desafeto disso ou daquilo, visando benefício próprio? 

Um desses mais exaltados comentou que o  Deputado Roberto Jefferson deveria  ser também “premiado” em vez de castigado pelo crime de decoro parlamentar,  porque ele “com seu gesto teria prestado um relevante serviço ao país”. 
 
Será mesmo?
 
Não podemos passar por cima o fato de que o referido deputado não denunciou o suposto esquema do mensalão por dever para com a pátria ou ao  povo brasileiro, mas sim para se safar da acusação de corrupção.
 
Então, podem existir dois usos da delação: um é de inspiração fascista ou stalinista, porque o delator é movido no seu gesto infame tanto para defender uma suposta “causa maior” como para se vingar de algum desafeto. 
 
Refiro-me ao fascismo, porque fazer acusações vazias, lembra a tática de 
Goebbels, ministro de Hitler, que usava o boato para espalhar uma mentira sobre alguém, que, segundo ele, repetida várias vezes essa mentira 
“viraria verdade na mente das pessoas”. 
 
Acusar sem provas, falar mal de alguém (difamar), ou fazer fofoca 
sustentado apenas do desejo de ferir alguém, quase sempre logra êxito, 
porque a vítima não tem o poder de limpar a dúvida plantada no imaginário social sobre sua idoneidade moral.

Se é verdade que as pessoas são educadas mais pelo exemplo do que pelas palavras, o gesto deste deputado pode estar contribuindo para gerar 
uma nova geração de delatores cínicos, vingativos e oportunistas,
 querendo ser reconhecidos como “morais” e “patriotas”. 

Hoje, uma criança, um adolescente ou adulto, se sentindo acuado por uma acusação, pode usar o recurso da delação e esperar ser premiada por ela. 
 
Essa onda já vem acontecendo nas escolas e universidades: um professor, facilmente, pode ser delatado por um aluno que não gostou da nota que tirou 
com ele; uma mãe acusou injustamente a professora de ter batido no seu filho;
 um colega de trabalho não pensa duas vezes em delatar um colega mais 
competente, inventando um motivo ou se aproveitando de uma falha dele, e assim por diante. 
 
Ao que parece, não estamos fundando uma cultura Anticorrupção, mas sim, uma cultura da delação, do dedurismo, que conjugado com a cultura do jeitinho brasileiro,  não contribui para nos tornarmos uma nação moral, mas sim de falsos moralistas.

Por Raymundo de Lima - Psicanalista, professor do DFE
da Universidade Estadual de Maringá (PR); doutorando em educação (FEUSP).
Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/052/52limaray.htm