sexta-feira, dezembro 12, 2008

Jardim Zen












 Para uns, isto é só areia e pedras.Mas tem gente que enxerga o mundo.

Quando monge noviço no templo Zuioji, em Niihama,J apão, o brasileiro Francisco Handa tinha a tarefa de cuidar diariamente de um jardim zen, um jardim de areia e pedras usado pelos monges para meditação.

Ninguém pisava no jardim, a não ser os noviços na hora da limpeza. Ao seu redor, havia uma varanda com salas reservadas de onde os monges contemplavam a paisagem como na maioria dos jardins zen, aliás. Ao contrário da maioria dos trabalhos monásticos, para aprender a cuidar de um jardim zen não havia mestre.

Então, como transformar um monte de pedras e areia numa paisagem que acalmasse os olhos e a mente?Vou fazer e você copia era tudo o que dizia o monge já familiarizado com a tarefa.Então ele dava forma à areia.Com olhar atento, o noviço repetia o feito.

Tínhamos que pegar um rastelo e andar fazendo um traço retinho. Se não ficasse bom, o jeito era repetir.Mas ninguém falava onde estava o erro,diz Handa, hoje na Comunidade Budista Soto Zenshu, em São Paulo. Perceber onde faltava harmonia fazia parte do aprendizado.

A única dica era seguir os contornos naturais do jardim. Assim, os desenhos começavam retos, acompanhando as margens, e só perdiam essa forma quando contornavam as pedras. A reta simboliza o pensamento correto, um caminho a ser seguido.O círculo é a união, diz a mestra Sinceridade,do templo Zu Lai,de São Paulo.

O budismo não estimula as fórmulas com pontas(como o triângulo) porque as pontas são como espinhos, machucam.Embora seja chamado de jardim, o retângulo de areia e pedras representa o mundo. A areia e os pedriscos representam o mar.
As pedras são rochas e ilhas.
Portanto, os círculos ao redor das pedras seriam como ondas, que batem na rocha e voltam, batem e voltam, no mesmo movimento contínuo, cheio de altos e baixos, que é a vida. Entender e visualizar essa dinâmica de forças é essencial para conseguir a harmonia necessária para a contemplação.
Só podia ser idéia de japonês, né?É, mas esse jardim de areia e pedra, popularmente conhecido como jardim japonês, foi inventado por monges chineses, em algum momento entre os séculos 7 e 10.
A ideia já era representar a dinâmica da natureza, para contemplação.Foi de lá que os zen-budistas japoneses importaram a ideia e começaram a construir os seus em seus templos. Sorte nossa, porque a maioria dos jardins chineses não resistiu à história turbulenta daquele país, e hoje os jardins mais antigos estão no Japão, onde são chamados de kazan ou kazansui(paisagem seca). O mais famoso do mundo fica no templo de Ryoan-ji, em Kyoto.

Contemplação
Ainda que o jardim zen seja conhecido como a natureza em miniatura, sua interpretação não é fechada. Depende do estado espiritual da pessoa. Ela pode sentir o Universo, mas também pode sentir-se no meio de um monte de pedras, diz o paisagista de São Paulo Hiroyoshi Ishibashi.

É como olhar uma casa de perto e de longe. De longe, você consegue enxergar a casa inteira, sem precisar se prender a nada. Mas, se você olha de perto, começa a reparar na cor da cortina, no trinco da porta, e não consegue visualizar o todo. E é por isso que o jardim zen não tem muitos detalhes.

Paisagens com poucos elementos e cores confortam a mente.Diante de tão pouca informação,o pensamento pára de saltar de um assunto para o outro,como ocorre no dia-a-dia.

O equilíbrio visual é o que permite nos concentrarmos.Por essa razão o kazansui está tão ligado à meditação,que nada mais é que a atenção total no momento presente.

Assim como no zazen (meditar sentado) é preciso concentrar-se na respiração,na meditação sobre o jardim o foco está na paisagem.É meditar com os olhos. Ou simplesmente contemplar.

Numa hora de raiva ou tristeza, saque o rastelinho e desenhe o que passar pela mente. Sempre com atenção plena na atividade, porque concentração é fundamental para a manutenção de um jardim zen.É com ela que se conseguem traços harmônicos intuitivos, não racionalmente calculados.

Não bastasse tudo isso, aquele punhado de areia e pedras ensina ainda que nada é permanente, tudo é dinâmico, pois a cada vez que bate um vento ou se passa o rastelo o jardim é outro.O jardim zen está sempre sendo construído.
por Priscilla Santos,revista Vida Simples.Edição 2.005.

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